segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Manifesto do MTL

  Fundado em 2002

MOVIMENTO TERRA TRABALHO E LIBERDADE



APRESENTAÇÃO

O Movimento de Luta Socialista (MLS), oMovimento de Libertação dos Sem-Terra de Luta (MLST de Luta) e o Movimento dos Trabalhadores (MT), ao se unificarem num único movimento, autônomo e independente, de massas, socialista, democrático e plural, inserido no campo e na cidade, o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), apresentam à sociedade brasileira, em especial aos movimentos e organizações que lutam pela emancipação política e econômica dos trabalhadores, os pressupostos básicos que possibilitaram o surgimento de mais este instrumento de luta do povo brasileiro.

O Movimento Terra, Trabalho e Liberdade,
mais que a junção de idéias e boas intenções, significa a unificação concreta de experiências rurais e urbanas, vivenciadas por centenas de militantes de várias regiões do país. Acumulamos nas últimas décadas importantes vitórias na luta pela reforma agrária, pela moradia, pela educação pública e gratuita, pelo sindicalismo independente e socialista, pelo transporte alternativo, pela organização coletiva dos trabalhadores, pela organização da juventude.

Nossas trajetórias, mais que promoverem enfrentamentos de cunho exclusivamente reivindicatórios, pautadas sempre na perspectiva de superação da ordem capitalista, nos possibilitaram também, o acúmulo de importantes reflexões sobre a estratégia socialista dos trabalhadores, da qual não abrimos mão. Lutamos por um novo socialismo, com liberdade e democracia. Um socialismo só possível em escala internacional. Só possível a partir da organização e ação direta das massas. Sustentamos que outros movimentos, como o MTL, devem carregar nas suas lutas a estratégia da destruição do sistema do capital, tarefa não exclusiva dos partidos políticos.

Reconhecemos nossos limites, nossas insuficiências. Publicaremos sempre nossas incertezas. Lutamos pela democracia e pela pluralidade. Buscaremos sempre a unidade com aqueles que pisam em terrenos comuns.

LUTAMOS POR TERRA, TRABALHO E LIBERDADE!

1 – NOVA ESTRATÉGIA SOCIALISTA

Em agosto de 2002 mulheres e homens militantes que construíram o MLS – Movimento de Luta Socialista, o MLST de Luta – Movimento de Libertação dos Sem-Terra de Luta, e o MT – Movimento dos Trabalhadores, realizamos em Goiânia um encontro no qual unificamos nossos movimentos em um novo instrumento de luta do povo trabalhador brasileiro: o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade – MTL.

Vivendo em um mundo tomado pela mais profunda crise do sistema capitalista vigente, e de todas as relações humanas nele originadas e inseridas, reafirmamos a necessidade da superação da ordem atual através de um novo processo revolucionário, que constitua uma nova sociedade com liberdade, democracia, com satisfação das necessidades humanas, socialista por conseqüência.

O movimento que fundamos pretende ser renovador para contribuir na construção deste novo processo de transformação social e histórica, mas também por expressar novas formas de pensar, de sentir e de atuar.

Reafirmamos princípios e convicções, mas com honestidade e libertos de dogmas. Compartilharemos, publicamente, nossas dúvidas, nossos questionamentos e nossas diferenças. Para nós, o ser revolucionário da atualidade é aquele que, incondicionalmente, busca respostas para as dilacerantes questões colocadas pelas tentativas de construção do socialismo no século XX.

Nos contrapomos a desmoralização da Social Democracia e das demais vias reformistas do capitalismo. Lutamos contra o apogeu imperialista da globalização do capital, da barbárie que dele se fez companheira, impondo à humanidade um desafio ao qual ainda não respondemos.

Rechaçamos o ufanismo e a auto-proclamação das seitas, marcas de uma esquerda tão arrogante, quanto impotente. Consideramos nossa unificação um pequenino passo da longa e incompleta caminhada rumo a emancipação dos seres humanos explorados e alienados e a libertação de todos os tipos de alienação, que tem levado os indivíduos a um niilismo brutal.

Nossos próximos passos perseguirão de forma militante e esperançosa, a cooperação e a unidade entre os que planejam encontrar uma nova síntese para o projeto socialista, revigorando-o com insubordináveis exigências de autodeterminação, liberdade e justiça, de igualdade nas condições para a vida, acompanhada do respeito às diferenças e às diversidades culturais produzidas pela humanidade, de abundância material para todos, combinada com a preservação harmoniosa da natureza e de todas as fontes e formas de vida.

Estas exigências, que a humanidade incorporou aos seus destinos, são muito mais que uma plataforma política, são valores éticos e culturais, são a ideologia, o leito onde viceja de maneira ainda imprecisa e insegura o espectro das novas alternativas socialistas.

Nos consideramos parte deste novo germinar cheio de vigor, inquietações e incertezas, que brota em vários cantos do mundo. Ele traz à luz a afirmação positiva de suas novas exigências e também o eterno repúdio à exploração e à opressão sobre homens e mulheres e ao sistema do capital que, no seu apogeu imperialista, forjou uma indissociável unidade entre o progresso técnico material e a generalização da miséria humana, a fragmentação social, o genocídio de povos e nações e os riscos de destruição da vida e do planeta.

Esta nova situação do capitalismo forjou mudanças impressionantes nas forças produtivas mundiais, impactando violentamente o mundo do trabalho, produzindo uma massa humana de excluídos dentro de “uma sociedade de trabalhadores sem trabalho”, atividade esta que lhes identifica como classe.

Quebrar esta macabra e desumana identidade entre o progresso capitalista e a barbárie é o maior desafio de nossos dias.

É com este propósito que o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade, no encontro nacional de sua fundação, busca contribuir para a constituição de um espaço comum de debate teórico e ações práticas que possibilitem a construção de um bloco histórico das classes populares, sobretudo levando-se em conta a necessidade de superar os limites e grandes lacunas deixadas pela derrocada do socialismo real. Neste sentido traz à opinião publica as idéias fundamentais que presidirão nossas palavras e nossos atos na renovada pratica socialista cotidiana.

2 – CONSTRUIR O SOCIALISMO A CADA DIA – DUALIDADE GLOBAL E PERMANENTE

A concepção que temos do socialismo é a de um estágio superior de organização da vida social no mundo, que transforme em relações materiais, concretas, as virtudes morais, filosóficas, culturais, construídas na subjetividade humana na luta contra toda opressão, toda exploração e toda dominação peculiares aos regimes de classes antagônicas em geral e ao capitalismo em particular.

Transformar em realidade toda virtude frustrada pelas atuais relações de explorações capitalistas é o objetivo concreto da revolução socialista. Destravar o que de fato nos impede de por em prática os mais elevados princípios de justiça, de igualdade, de liberdade, de fraternidade, de criatividade, e toda potencialidade para conhecer e amar.

Pelo fato concreto de que as forças revolucionárias buscam destruir as relações econômicas, sociais e políticas que atrofiam sua natureza progressista e libertária, elas não podem desenvolver-se satisfatoriamente sem exercitar seus valores fundamentais em confronto permanente com aqueles que elas querem superar, sob pena de se atrofiar e se degenerar. Assim sendo, consideramos que o caminho possível para esta realização deve:

1. combater a deificação da propriedade, sobretudo a da terra;


2. combater o domínio político e econômico;


3. buscar o controle dos meios de comunicação midiáticos, formadores de conceitos e valores numa sociedade de massa e;


4. garantir ao povo a elevação do seu padrão educacional e cultural.

Por tudo isso que sintetiza uma pequenina parte da tragédia, da imaturidade, da degeneração das revoluções e dos movimentos sociais do século passado, o MTL perseguirá: O OBJETIVO DE VIVER A CONSTRUÇÃO SOCIALISTA EM CADA DIA, EM DUALIDADE GLOBAL E PERMANENTE COM A ORDEM, PORTANTO, EM CONTRADIÇÃO COM AS RELAÇÕES SOCIAIS, COM A MORAL E COM OS VALORES DA SOCIEDADE CAPITALISTA.

Acreditamos que o que vivemos hoje é a expressão mais verdadeira do sentido que nossas palavras e nossos pensamentos projetam para o futuro. A nova ordem da qual necessitamos, será o resultado de uma acumulação sucessiva de práticas que neguem a ordem que repudiamos, e jamais ocorrerá como um mágico despertar para o tempo ideal, sempre sonhado e nunca experimentado.

3 – DEMOCRACIA DIRETA

Em todos os momentos de efervescência das lutas de massas quando o processo de transformação mostra a fórmula do novo poder reaparecem destacadamente os traços da democracia direta.

Quando todos os homens e mulheres tomam para si a tarefa de decidir e participar da realização do que decidiram, esboça-se uma nova ordem social libertária jamais imaginada em sua plenitude. Desde a comuna de Paris, passando pelos Soviets, e pelos conselhos operários da Itália, da Hungria, pela revolução arco-íris no Equador, e pelas assembléias de vizinhos e piqueteiros na Argentina, em todos estes grandiosos momentos, um fio condutor liga acontecimentos tão distantes e diferentes. Este fio é o desejo de homens e mulheres incendiados pela revolução, tomados por uma inacreditável força renovadora que, de repente, os levam a tirarem de suas próprias costas todo fardo do mando e da obediência, e a assumirem, como que num despertar inusitado, a condição de donos de seus próprios destinos.

Os que eram avessos à atividade política querem se reunir, querem discutir, querem fazer. Mostram todo seu repúdio à farsa da democracia representativa burguesa.

Durante quase dois séculos, esses lampejos que permitiram visualizar a forma mais avançada para organização da vida política em liberdade, e para o exercício do poder de todos, foram apagados pelo insuficiente desenvolvimento das condições para sua consolidação.

Não poderia ser mais do que um lampejo, a democracia direta, em uma sociedade em que a maioria fosse escrava do trabalho brutalizado durante todo tempo disponível. Ou de outra forma, como se poderia imaginar a democracia direta, onde todos discutem e decidem, numa sociedade em que 70% da população é analfabeta? Ou ainda, de outra maneira, numa sociedade composta de milhões de pessoas dispersas em territórios de dimensões continentais sem meios de transporte e comunicação eficazes?

É preciso reconhecer que para o exercício da democracia direta algumas condições são imprescindíveis, entre elas: o conhecimento de causa para os que vão decidir, o que pressupõe uma sociedade com alto nível cultural; um elevado nível de desenvolvimento material de toda sociedade, permitindo uma drástica redução do tempo dedicado ao trabalho e a liberação de grande quantidade de tempo livre para todos, o que só é possível numa sociedade com alto nível de produtividade, de automação e de alto nível da ciência e da técnica em geral; eficientes sistemas de comunicação capazes de permitir a integração de milhões ou bilhões de pessoas dispersas por territórios continentais, possibilitando que as mesmas se manifestem sobre os mesmos assuntos em curto espaço de tempo, o que, evidentemente, é hoje facilitado pelo advento da informática, da Internet e dos grandes meios de comunicação de massa.

É preciso, sobretudo, levar em conta que o atingimento desta condição, para levar ao seu ápice, somente terá êxito se os trabalhadores e trabalhadoras, organizados na sociedade civil, se transformarem em agentes, também, da sociedade política, produzindo assim, a síntese que os levará a um outro status de poder.

Sem esses recursos, o autogoverno das massas não passa de uma abstração ou de uma outra forma de representação indireta.

O MTL buscará em todas as suas organizações e suas atividades elevar o nível de qualificação de seus membros e dos trabalhadores em geral. Lutar pela conquista do tempo livre dedicado às tarefas políticas e subjetivas, disputar o domínio dos meios técnicos necessários para a participação de maior número de trabalhadores nas decisões, defender diante de toda a sociedade as propostas que se aproximem da democracia direta.

4 – INTERNACIONALISMO

O colapso do neoliberalismo, o levante de movimentos anticapitalistas em todo mundo, como os de Seattle, Washington, Praga, Quebec, Nova York, Gênova e as lutas contra as ditaduras no continente africano, demonstram que a humanidade não poderá superar a crise atual sem globalizar as lutas dos trabalhadores e dos povos, os princípios socialistas e humanistas, a solidariedade, o respeito à diversidade e a comunhão dos interesses da humanidade, em contraposição aos interesses do capital globalizado.

Estas manifestações internacionalistas e anticapitalistas, ainda embrionárias, começam a superar as fronteiras corporativas, raciais, sexuais e nacionais. Apontam o caminho para nos colocar a cada um, na condição de parte da humanidade, de tal maneira que nossas ações e nossas propostas se articulem, se corrijam e se enriqueçam, entrelaçando-se com aquelas que se levantem em defesa dos trabalhadores, dos povos e da humanidade em diversas partes do mundo. É deste entrelaçamento que acreditamos, poderá surgir uma nova ordem mundial, baseada na cooperação e na solidariedade entre os povos e nações, capaz de utilizar-se, de modo racional e planejado, dos recursos naturais, científicos e humanos, em benefício de todos.

Deste novo internacionalismo poderá brotar uma nova unidade socialista, um novo projeto, uma nova organização, capaz de realizar as transformações socialistas que a sociedade humana necessita, dando conta de abolir do imaginário do povo e dos militantes a distorcida impressão que não se vive mais o tempo de grandes revoluções, pois seria este o tempo do “fim da história”.

Somos parte deste processo iniciado a mais de 150 anos e que neste início de século se renova para cumprir a tarefa de construir a verdadeira humanidade, como condição de existência em todo o mundo.

5 – ORGANIZAR O CONJUNTO DA CLASSE TRABALHADORA, UNINDO OS POBRES E EXCLUÍDOS DO CAMPO E DA CIDADE

A ordem social gerada pelo imperialismo na era da globalização é marcada pelo crescente exército permanente de desempregados e de despossuídos, refletindo no empobrecimento do conjunto dos trabalhadores. Emerge neste período um novo mundo do trabalho com características mais diversificadas, que inclui os trabalhadores fabris, dos serviços e o grande contingente de excluídos do sistema econômico propriamente capitalista.

O desemprego e a miséria crescem, incessantemente, mesmo nos países centrais do império capitalista. Ameaçam e geram temor e insegurança nos trabalhadores que se mantêm empregados, minando seu ímpeto de luta por melhores salários e condições de trabalho, mesmo quando estes são reduzidos pela precarização, pelas terceirizações, pelas transformações tecnológicas do processo produtivo, que penetram agudamente no mundo do trabalho e alteram substancialmente seu sentido de percepção enquanto indivíduo e coletivo de classe.

Emerge deste quadro uma enorme socialização do proletariado (ou um estado de proletarização), que abrange quase a totalidade da população humana e, ao mesmo tempo, diversifica-se sua estrutura com uma enorme diferenciação nas formas de trabalho, destacando-se entre elas, especificamente, a brutal contradição entre o núcleo altamente especializado e qualificado do proletariado, dedicado ao trabalho intelectual e científico de um lado, e de outro lado uma gigantesca massa com baixo nível de qualificação, de escolaridade, dedicado aos trabalhos manuais brutalizados, excluídos das relações formais de trabalho.

Esta exclusão, se por um lado gera a miséria, por outro insere no subconsciente coletivo a gênese que possibilita quebrar no imaginário dos indivíduos o vínculo da relação sobrevivência/emprego, construindo um outro ambiente psicossocial em que se apresenta o binômio trabalho/sobrevivência, ensejando condições de abertura ao desenvolvimento autônomo da humanidade, pois se o emprego está para o capital, o trabalho o é para o socialismo.

O MTL nasce se incorporando à tarefa histórica de lutar contra o mito da democracia racial e o racismo velado na sociedade brasileira, que impediu homens e mulheres negras de terem acesso ao mundo do trabalho e a condições dignas de saúde, educação e moradia.

O MTL assume o compromisso de lutar pela peparação histórica de 350 anos de escravidão no Brasil e no mundo, defendendo intransigentemente as manifestações artísticas e culturais dos afrodescendentes. Por conta das mazelas do sistema capitalista, a juventude negra do campo e da cidade não tem perspectiva e acaba sendo presa fácil do tráfico de drogas, da repressão policial, do desemprego e do subemprego.

Por tudo isso, o MTL incorpora a estratégia de ser parte da luta cotidiana pelo fim de toda manifestação racista e sexista. Pois esta imensa e profunda divisão do proletariado, quanto à condição de existência dos trabalhadores em todo o mundo, deve ser enfrentada para que prospere a luta pelo socialismo.

É preciso construir a unidade de objetivos e propósitos dos trabalhadores e isso não poderá ser realizado sem a organização política dos chamados excluídos do mundo do trabalho formal.

Enquanto são dificultadas as condições de lutas para os sindicatos e organizações gremiais por um lado, por outro lado os obsoletos, os excluídos, os desempregados, divorciados de sindicatos e da maioria das organizações de esquerda, são empurrados para uma desesperada luta pela sobrevivência. Uns avançam sobre a cerca do latifúndio ocupando terras, outros ocupam calçadas urbanas com suas barracas de camelôs, outros ocupam o chão das metrópoles em busca de um teto. São perueiros do transporte alternativo, são camelôs, são sem-terra, são sem-teto, são milhões que precisam se organizar para lutar pela sobrevivência. Seu número cresce a cada dia, suas lutas e seus enfrentamentos com a ordem do capital são, também, cada vez mais diretos e violentos, quanto mais urgentes e inadiáveis são suas necessidades.

Depois dos primeiros combates e das primeiras conquistas, deparam-se com um novo e intrigante desafio: serem novos agentes políticos, econômicos, sociais e culturais, autônomos, e organizarem a produção e a sua própria vida econômica para não retroceder.

Este verdadeiro mosaico social é um imenso reservatório de explosiva energia política revolucionária que, transformada em movimento organizado, num processo firme de busca de rupturas políticas conscientemente orientadas, poderá mudar o curso da história.

Por tudo isso o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade, que nasce composto, majoritariamente, por estes setores sociais, tem o compromisso de hoje priorizar a organização tanto de suas lutas, quantos de suas experiências produtivas e das atividades econômicas autônomas a elas inerentes, sistematizando-as, propagandeando-as, transformando-as em escola e exemplo para aqueles que não podem mais, de nenhum modo, servir ao capitalismo.

6 – DOMINAR A PRODUÇÃO E A DISTRIBUIÇÃO, CONSTRUIR AS EMPRESAS COLETIVAS DOS TRABALHADORES E AS REDES DE CONSUMO E SOLIDARIEDADE

Garantir o controle do processo de trabalho, organizar a produção de modo sustentado, beneficiar os produtos e garantir seu escoamento e sua realização, enfim, estruturar solidamente uma cadeia produtiva, é uma questão de sobrevivência para os movimentos que se organizam enquanto alternativa para os excluídos do mundo do trabalho formal. Isto por dois motivos, sendo que o primeiro é exclusivamente econômico, pois quando os movimentos dos excluídos tipo sem-terra, perueiros, camelôs etc. obtêm uma pequena vitória, eles são colocados, obrigatoriamente, diante da necessidade de produzir, e se deparam com o dilema de fazê-lo de forma individual ou coletivamente.

O caminho da produção individual apresenta mais espinhos e muito menor viabilidade econômica do que o caminho da produção coletiva. O pequeno proprietário individual, no campo ou na cidade, tende a desenvolver ideologias voltadas para acumulação de capital e para a exploração do trabalho alheio. Além disso, por sua fragilidade econômica, apresenta muito mais rapidamente a possibilidade de ir à falência.

Consideramos, portanto, que o enfrentamento com o problema da produção só pode ter chance de sucesso através da organização de empresas coletivas baseadas no trabalho solidário de seus membros, sem a utilização do trabalho assalariado ou de qualquer outra forma de exploração do trabalho alheio, consorciando iniciativas espalhadas em todo país, que vise constituir um mercado alternativo de massas.

O segundo motivo é de natureza estratégica e programática. Os trabalhadores jamais chegarão à condição de sujeito do processo econômico de cadeias produtivas inteiras sem que desenvolvam experiências de gestão coletiva. Aprender coletivamente a gerir a produção e sua cadeia subseqüente, demonstrar a viabilidade da gestão dos trabalhadores é uma condição imprescindível para educar toda a classe em relação à tese do controle social dos meios de produção fundamentais. E isto é, em última instância, o caminho para quebrar a alienação do trabalhador em relação aos meios, aos processos e ao destino da produção.

Uma outra faceta deste problema estratégico é a educação para a superação da contradição entre produtores e consumidores. Reverter toda a lógica de imposição do marketing das grandes empresas monopolistas que esmagam o consumidor individual, impondo-lhe necessidades construídas, unicamente, para facilitar a reprodução e acumulação do capital, é uma necessidade imperiosa. Entretanto, ela não se realizará com facilidade, sem experiências que ressaltem o valor de uso dos produtos como meio de integração e harmonização entre produtores e consumidores, em detrimento do valor de troca que os coloca em oposição um ao outro.

Portanto, é de fundamental importância que a estruturação de empresas coletivas dos trabalhadores, no campo e na cidade, e o consórcio entre elas, se inicie em íntima articulação e cooperação entre setores sociais, organizados em rede, que poderão garantir o consumo de seus produtos, determinando, ao mesmo tempo, o principal elemento de planejamento de produção: a necessidade de quem consome.

Outro aspecto estratégico se refere à construção de empreendimentos coletivos dos trabalhadores que renunciem, no limite do possível, à dependência econômica e tecnológica do padrão produtivo imposto pelo grande capital monopolista. Apoiando-nos em pesquisas cientificas genuínas, na experiência e no patrimônio cultural de nosso povo, nas demandas pela preservação ambiental e da saúde humana, poderemos alcançar êxitos nesta importantíssima tarefa.

A última questão é aquela que se refere à auto-sustentação econômica de nossa organização, de nossas lutas, de nosso movimento. Como organização do mundo do trabalho, cremos que nossa sobrevivência deve se pautar pelo seu elo de ligação com os fatores que propomos como linha de sustentação econômica da base da sociedade, assim, pois, podendo gerar recursos para a manutenção de nossas ações.

Senhores de nossas vidas, poderemos ser senhores do movimento, sem dependência de recursos estatais e/ou institucionais, que só serão acessados como direitos legitimamente conquistados, sem o comprometimento da nossa autonomia e independência.

7 – UM SINDICALISMO INDEPENDENTE E DEMOCRÁTICO

A esquerda socialista enfrenta enormes desafios neste início de século. São muitos os questionamentos e as reflexões que se impõem aos revolucionários.

Ao refletirmos sobre o movimento sindical, em especial no Brasil, estes desafios se expressam de forma categórica. São inúmeros os setores que não dão conta de responder à nova realidade da classe trabalhadora, e muitos destes acabam por incorporar as teses dos teóricos da burguesia, abdicando da independência de classe e da luta pelo socialismo.

Os impactos gerados pela reestruturação produtiva, nos marcos da hegemonia neoliberal dos anos 90, transformaram o mundo do trabalho. Objetivamente está na mesa um contraste gritante entre a maior parte da estrutura sindical e a vida do povo.

Os precarizados, os contratados temporariamente, os desempregados, estão fora das representações sindicais. São demitidos do emprego e do sindicato, pois não podem mais contribuir.

Nós defendemos uma ruptura radical com o atual modelo de organização sindical e suas proposições. Defendemos resgatar as propostas originárias de fundação da CUT, onde o socialismo com democracia era a referência para organizar a classe para a luta e o propósito era ser uma central única de trabalhadores e não uma central sindical, como veio a se tornar. Mais ainda, acreditamos ser fundamental buscarmos formas de organização e luta que aglutinem o empregados com os sem-emprego, os precarizados e os especialistas, enfim, a classe trabalhadora em seu conjunto.

Somente uma proposta que organize a classe trabalhadora com toda sua diversidade, poderá obter êxito na luta por um outro mundo, um mundo sem patrões, socialista!

8 – INDEPENDÊNCIA DE CLASSE

A independência de classe parte de um divisor de águas fundamental: o combate político a toda capitulação diante da lógica da catástrofe contemporizada. Não travamos um combate moralista. Combatemos as concepções, o programa, a prática e os compromissos assumidos pelos conformistas diante do curso dos fatos históricos.

Não podemos considerar progressivo o apoio formal ou informal dos partidos da classe trabalhadora a governos burgueses. Isto porque os protagonistas desta utopia reacionária contribuem para legitimação do atual sistema e estimulam a resignação diante dele ao afirmarem um projeto de governo que nada mais é do que um pouco mais dele.

A base material de reprodução do sistema capitalista e suas tendências objetivas suprimiram todas as condições para o sucesso dos projetos de colaboração de classe. O colapso do modelo keynesiano é a maior prova disto.

Nadando contra a maré, a social democracia, os reformistas e os burocratas em todo o mundo convertem-se em aplicadores dos planos e políticas imperialistas. Se, no passado, a social democracia e o reformismo comandaram governos que fizeram grandes concessões materiais às massas trabalhadoras para frear os processos revolucionários, hoje lhes resta a tarefa de dirigir governos responsáveis pelo desemprego, pela redução salarial, pela exclusão social e encarregados pela repressão aberta ao movimento de massas.


É assustador o descompromisso social, histórico e cientifico que fundamenta esse consenso reacionário apesar de tanta obviedade.

Para nós, o caminho é outro. E deve levar à organização do levante político através da unidade de todos os que são penalizados pelo capitalismo em sua forma neoliberal e em seu conteúdo.

9 – COMBINAR ADEQUADAMENTE AS FORMAS DE LUTA – ESTIMULAR A AUTO-ORGANIZAÇÃO E A AÇÃO DIRETA DAS MASSAS

Os trabalhadores e a maioria do povo em seu combate às relações predominantes na sociedade capitalista deve utilizar-se de todas as formas de luta. Saber combiná-las entre si, determinando a hierarquia de umas em relação às outras é uma tarefa extremamente complexa, especialmente quando habitamos um ambiente dominado por grandes meios de comunicação de massa, que transformam cada fato em propaganda e da mesma forma e com a mesma rapidez, materializa propaganda em fatos, numa incessante luta pela conquista das consciências humanas, numa verdadeira guerra ideológica.

Além das lutas de massas, das batalhas institucionais-eleitorais, da luta pela hegemonia política ideológica, nossos dias são tingidos pelo sangue de violentas batalhas. Seja pela luta dos sem-terra ou dos sem-teto, violentamente reprimidos, seja um enfrentamento guerrilheiro de décadas na Colômbia, seja a insurreição das pedras – a intifada palestina, sejam os massacres militares promovidos por potências bélicas contra países e povos praticamente desarmados, ou os conflitos étnicos-raciais. Além disso tudo, ressurgem hordas fascistas em diversos países com a sua costumeira intolerância e a velha violência como método.

É neste complexo cenário que os movimentos socialistas dos trabalhadores devem saber combinar, articuladamente, os enfrentamentos militares (auto-defesa) de classe, com as mobilizações sindicais reivindicatórias de massas, com a propaganda, com a disputa de hegemonia, com a luta eleitoral, objetivando fortalecer, sempre, a auto-organização das massas, educando-as para a ação direta e para a conquista de sua plena autonomia política, econômica e organizativa.


10 – DEFENDER E EXERCITAR A DEMOCRACIA NO MOVIMENTO

A falência desastrosa das tentativas de construção de uma ordem socialista no século passado marcou a humanidade com o aspecto mais negativo da herança burocrática: a associação entre ditadura e socialismo. Desfazer esta farsa, este equívoco histórico, esta tragédia, é uma de nossas tarefas e o caminho para cumpri-la é o exercício orgânico, permanente e incansável de uma prática democrática na construção do movimento de massas.

Nosso movimento deve estar capacitado a comandar e orientar o processo de transformação radical da realidade atual que aflige o mundo do trabalho e antever saídas adequadas e eficientes, segundo os interesses imediatos (sobrevivência/resistência) e históricos (estratégicos/transformadores).

Este é um princípio estratégico que deve guiar nossa prática cotidiana. Tanto na implementação de nossa política, quanto na construção orgânica, não podemos nos afastar dele um milímetro sequer. Só este tipo de comportamento pode construir uma nova cultura do movimento socialista, dotada de todas as garantias necessárias de que a vanguarda e as organizações políticas, jamais se sobreporão às massas, jamais a substituirão, jamais decidirão por elas.

11 – CONTRIBUIR PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA AMPLA ORGANIZAÇÃO REVOLUCIONÁRIA DE MASSAS NO BRASIL

Diversos setores da vanguarda socialista e revolucionária brasileira tem apontado recentemente para a necessidade de atuação em frente única em defesa de pontos programáticos comuns, a exemplo da campanha contra a ALCA. Ao mesmo tempo acenam com a necessidade de discutir a construção de uma alternativa política socialista revolucionaria de massas para o Brasil.

Tais preocupações são levantadas hoje por organizações, por movimentos sociais e por indivíduos militantes que compreendem e ressaltam a necessidade de um pólo político socialista revolucionário na sociedade brasileira, espaço do qual o PT abdicou, que o PCdoB vem demonstrando inaptidão e incapacidade histórica para ocupar e que o PSTU também acabou não conseguindo.

Estas posições são externadas por setores do MST, por correntes internas do PT, por setores do PSTU, pelo MLS, MLST de Luta e MT, e por uma enorme quantidade de socialistas revolucionários dispersos por todo o país.


De nossa parte consideramos que a unificação destas forças em um único movimento, em uma frente de lutas comuns sob uma única bandeira democrática, socialista e plural, negando as práticas burocráticas stalinistas, significaria, sem dúvida, um inestimável avanço histórico para as forças de transformação em nosso país e no mundo.


Por tudo isso, dedicaremos a nossa mais respeitosa atenção, mesmo às menores experiências de unidade de ação com grupos políticos, movimentos sociais, organizações e militantes que queiram solidificar os laços de respeito e confiança, de conhecimento prático e programático, elementos que poderão contribuir para unificação dos socialistas revolucionários brasileiros em uma ampla organização de massas. Para cumprir seu papel esta organização deverá:


1 - Superar a dicotomia entre a construção do poder formal e o poder real;


2 - Incorporar uma determinada capacidade empreendedora;


3 - Incorporar metodologias às suas políticas, capazes de acelerar processos;


4 - Construir experiências exitosas no interior da sociedade capitalista;


5 - Ter autonomia econômica;


6 - Superar a visão de revolução como mero “assalto ao poder de Estado”;


7 - Superar a concepção hegemonista que orienta a maioria das organizações do campo popular;


8 - Construir novo paradigmas e reatualizar os existentes.






Ao mesmo tempo penhoraremos nossa dedicação para construir o MTL como organização nacional democrática unificada na ação, rica em seus debates teóricos, em sua propaganda, em sua cultura.


MOVIMENTO TERRA TRABALHO E LIBERDADE


AGOSTO DE 2002



TRAJETÓRIAS DAS ORGANIZAÇÕES FUNDADORAS DO MTL


MLS


O Movimento de Luta Socialista surgiu no ano 2000 como uma nova agrupação socialista e internacionalista, oriundo de um grupo de militantes do PSTU. Durante seus dois anos de existência procurou sempre defender um novo projeto socialista, com democracia e liberdade. O MLS esteve presente na luta dos excluídos da cidade, como por exemplo, a luta dos perueiros de Goiânia e redondezas, que após uma luta sangrenta contra o Estado e as empresas de ônibus, consolidou o transporte alternativo na região. Como consequência elegeu Elias Vaz – o vereador mais votado da história de Goiânia – que no exercício de seu mandato segue apoiando os excluídos na formação de cooperativas de luta e trabalho. Em São Paulo o MLS tem participado de ocupações urbanas e nas lutas da juventude, como nas greves e manifestações na USP, saltando o muro da universidade e ligando a luta dos jovens com a luta da população trabalhadora. No movimento sindical seus militantes estiveram à frente das greves do funcionalismo federal e estadual no Rio de Janeiro e em outros estados, lutando também contra a burocratização dos sindicatos e da CUT, defendendo uma mudança profunda nesse terreno. A influência sindical fez com que o MLS tivesse papel de destaque entre os gráficos de Minas Gerais, os previdenciários, os mata-mosquitos e profissionais da educação do Rio de Janeiro.

MLST de Luta


O Movimento de Libertação dos Sem-Terra de Luta foi fruto da organização de lideranças rurais, de agentes pastorais e de assessores da CPT, que desenvolviam lutas no Triângulo Mineiro e que, no início dos anos 90, se propuseram à construção de um movimento social de luta pela terra. Após a heróica e vitoriosa luta pela desapropriação da fazenda Santo Inácio – Ranchinho, município de Campo Florido, e do pipocar de ocupações nos municípios de Santa Vitória, Perdizes e Campina Verde, lideranças de diversas áreas, num encontro em Uberlândia e depois em Campo Florido, fundaram, em 1994 o Movimento de Luta pela Terra (MLT), que organizou dezenas de ocupações em Uberlândia, Campina Verde, Santa Vitória, Ituiutaba, Gurinhatã e Nova Ponte.


A partir de 1995 o MLT propôs a construção de um movimento nacional tendo como princípios básicos a luta pela reforma agrária intimamente associada à luta pelo socialismo; a construção de um programa antilatifundiarista, antimonopolista e anticapitalista; a defesa radical da democracia e da pluralidade em todas as instâncias do movimento, principalmente a partir da base; a unificação dos trabalhadores do campo e da cidade na construção de alternativas políticas e econômicas; a autonomia e a independência de classe, negando a participação em qualquer governo burguês; a busca da autosustentação financeira a partir das fazendas e estruturas conquistadas; a defesa de uma nova organização social e econômica nos assentamentos baseada na produção coletiva, traduzidas nas Empresas Rurais Comunitárias.

Em 1997, o então MLT liderou a construção do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), tendo participado de seu encontro de fundação com a maior delegação. O movimento cresceu extraordinariamente apenas no Triângulo Mineiro, fruto da trajetória já acumulada pelo MLT, o que não ocorreu em outras regiões do país. Nesse período foram realizadas várias ocupações na região: Fazenda Campanha, COOALBRA, Palma da Babilônia, Nova Palma, Itambé, São José da Boa Vista, Pântano, Douradinho, Rosada, Sertãozinho, Maringá, Nova São José e uma das principais lutas de resistência do país, a Fazenda Tangará, no município de Uberlândia, com área de 5.096 ha, cuja conquista se consolidou em 2002.

No ano 2000, o setor do Triângulo Mineiro rompe com o inexpressivo agrupamento do Nordeste, passando a denominar-se Movimento de Libertação dos Sem-Terra de Luta. O MLST de Luta segue a mesma trajetória histórica do MLT liderando inúmeras lutas e perseguindo a construção de um projeto nacional, a partir do que intensifica as relações, que já estavam em curso, com o MLS e o MT, vindo, finalmente, a participar, ativamente, da fundação do Movimento Terra, Trabalho e Liberdade.


MT


O Movimento dos Trabalhadores, fundado em 1995, no estado de Pernambuco, luta pela transformação social defendendo a reforma agrária, urbana e política, ancorado no lema “Geração de Trabalho e Riqueza”. Pela necessidade de constituir ações diferenciadas no campo da organização dos trabalhadores busca constituir empreeendimentos autônomos e circuitos econômicos alternativos, com o objetivo de superar o trabalho na forma exclusiva de emprego, através da Rede MT de Organizações Contra a Exclusão Social.


O MT teve como missão construir a organização política, econômica e social da sociedade civil, ou seja, o poder real dos trabalhadores, estruturando o mundo do trabalho, com a finalidade de gerar riquezas, a partir da nucleação de famílias, que garante um processo participativo e autônomo, contribuindo para a formação de um bloco histórico do campo popular, para possibilitar a implantação de uma sociedade socialista. O MT, organização civil, atuou e esteve presente em vários estados do Nordeste, como Pernambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba e Rio Grande de Norte.

Histórico do Movimento dos Trabalhadores:


1995 – Fundação; Ocupação das Terras da Usina Jaboatão; Nucleação de famílias;
1996 – Ocupação das terras da Usina Nossa Senhora do Carmo; Formação e capacitação dos militantes;
1997 – Ampliação do MT; 45 áreas ocupadas; Consolidação em Alagoas; Registro da COOPAG; Assassinato de Cícero Gomes;
1998 – Expansão para os estados do CE, PB e BA; Emissão de Posse dos primeiros assentamentos: Cícero Gomes e Divina Graça em PE; Constituição do corpo técnico do MT; Criação da Articulação Nacional; Emissão de Posse de 4 assentamentos em AL;
1999 – Emissão de Posse de vários assentamentos em PE; ampliação do trabalho no NE; Conquista da sede em PE; Consolidação do trabalho urbano; Execução de diversos programas;
2000 – Constituição da Rede MT de Organizações;
2001 – Lançamento do Programa ZERA; Ocupação massivas nos engenhos da Usina Central Barreiros (sede local);
2002 – Diversos conflitos em AL e PE; Formação do Conselho Consultivo; MT insere ao trabalho a interface política; Consolidação do Núcleo de Cultura e Arte; Unificação e fundação do MTL.

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