domingo, 6 de novembro de 2011

“Por que a sociedade deve pagar pela crise dos bancos?”, questiona professor

Economia

Giuliano Oliveira, do Instituto de Economia da Unicamp, pensa que líderes europeus estão equivocados na lógica de prejuízos públicos para garantir lucros privados, e aponta importância de mobilização social







São Paulo - Giuliano Contento de Oliveira, professor do Instituto de Economia da Unicamp, acredita que a Cúpula do G20 encerrada na sexta-feira (4) em Cannes, na França, não pode ser considerada um desperdício. Apesar de não se haver chegado a um consenso sobre uma solução conjunta para a crise europeia, ele aponta que ao menos se sabe agora a percepção que os principais atores globais têm a respeito desta questão.
De um lado, Brasil, Índia, China e outros emergentes veem no crescimento econômico com inclusão social uma ferramenta para que a Europa deixe para trás o quadro de recessão, que afeta a todo o mundo. De outro, os líderes do Velho Continente manifestaram novamente a fé de que o corte severo de investimentos públicos vai sanar a questão, ainda que se leve uma década inteira, como já admite a Alemanha.
Oliveira pontua que o mais importante é garantir a mobilização para que se reverta o processo dos últimos 30 anos, de constante exclusão dos atores sociais dos processos decisórios. “Na verdade, a lógica de lucros privados e prejuízos públicos é uma lógica que não cabe à sociedade do século 21. Então, vejo que a resistência da sociedade é uma resistência legítima, e essa resistência suscita a necessidade de reformas na arquitetura financeira internacional”, afirma.
Confira a seguir trechos da entrevista concedida à Rede Brasil Atual.
RBA - Qual era a importância da reunião do G20 na solução da crise europeia?
Foi uma reunião importante no sentido de condensar minimamente a percepção dos principais atores globais a respeito de questões relevantes da economia mundial, e, sobretudo, conjunturalmente, a questão da crise na Europa. Não menosprezaria a importância da reunião, a despeito de achar que os encaminhamentos, infelizmente, parecem sinalizar uma modéstia no que diz respeito às iniciativas mais incisivas para o enfrentamento deste problema. Parece que a questão europeia tem estado mais no plano das reuniões envolvendo os governos europeus do que em um fórum mais amplo, no caso o G20.
RBA - Como o senhor viu a possibilidade de convocar um referendo na Grécia e, depois, o recuo?
A possibilidade de convocar o referendo adveio da percepção de difícil implementação das medidas de ajuste. A sociedade tem resistido, e tende a resistir ainda mais aos ajustes deflacionários, sobretudo de contenção fiscal. O primeiro-ministro grego acabou ficando em uma situação muito delicada. Ao mesmo tempo em que havia a predileção de respeitar os termos do acordo, de outro lado a sociedade grega reagia muito ferozmente aos termos desse acordo. Diante disso fez uma sinalização, mas que foi uma sinalização que acabou não rendendo muitos dividendos, considerando que os países relevantes do cenário europeu acabaram não atrelando o repasse da verba ao não referendo. Colocado no corner, o primeiro-ministro grego não resistiu. Foi uma espécie de blefe que acabou não dando certo.
RBA - O senhor concorda com as medidas apresentadas à Grécia?
Vislumbraria outra possibilidade, que seria de se pensar de alguma forma simultânea de ajuste fiscal e realinhamento cambial. Mas, presa aos termos da moeda única, a França e a Alemanha não admitem essa possibilidade. Essa discussão vem ganhando fôlego porque a sociedade europeia tem resistido cada vez mais às medidas de ajuste. Isso suscita uma questão que transcende o plano conjuntural e sinaliza a necessidade de reformas globais capazes de envolver, inclusive, a criação de um fundo de estabilidade financeira global, que seja um fundo constituído por uma taxação sobre os bancos. Na verdade, a lógica de lucros privados e prejuízos públicos é uma lógica que não cabe à sociedade do século 21. Então, vejo que a resistência da sociedade é uma resistência legítima, e essa resistência suscita a necessidade de reformas na arquitetura financeira internacional.
RBA - Como funcionaria esse fundo de estabilidade?
É uma ideia preliminar nos moldes do fundo de estabilidade europeu. Seria um fundo voltado a socorrer o sistema financeiro em momentos de crise. Haveria um conjunto de países, que seria o conjunto de cotistas, e esse fundo seria aportado não pelos governos, mas pelas instituições financeiras desses países, sobretudo as instituições financeiras globais.
Um ponto que merece destaque é que, a despeito dos prejuízos enormes incorridos pelo sistema financeiro nos últimos três ou quatro anos, o cálculo que deve ser feito é comparar estes prejuízos com os lucros que estes bancos obtiveram nos dez anos anteriores à crise. Por que o ajuste tem de ser pago pela sociedade, e não pelos acionistas dessas instituições? Este é um ponto que pode permitir a arquitetura de uma ordem financeira internacional menos desequilibrada, ao menos, no sentido de impor o ônus do ajuste sobre a sociedade, sendo que a causa dos problemas não guardou relação diretamente com a sociedade. São alguns atores da sociedade que deveriam se responsabilizar em maior magnitude dos ajustes. Com isso não quero dizer que os Estados não devem participar, eles necessitam participar, mas o ônus deve ser colocado sobre as instituições precursoras da instabilidade.
RBA - O Brasil sinalizou concordância à criação de uma taxação global sobre transações financeiras. Como poderia ajudar?
Essa é uma questão que tem sido recolocada aí com maior afinco por parte de alguns países relevantes no cenário global e acho que é uma iniciativa producente, necessária, que poderia contribuir para questões de ordem social. Não obstante, não resolveria a questão da instabilidade dos fluxos internacionais de capitais, não me parece sequer que o propósito seja este.
Os grupos de interesse relevantes no capitalismo cada vez mais financeirizado são aqueles que determinam o estado da arte no plano da regulamentação, da supervisão financeira internacional, e é um fato que esses grupos se contrapõem a esse tipo de iniciativa. Nessa perspectiva entendo que as manifestações da sociedade são, além de legítimas, necessárias para que esses grupos de interesses não inviabilizem reformas que são necessárias para que se tenha um mundo globalizado, integrado, porém que se consiga depurar o que há de bom nisso.
RBA - De 2008 para cá, nas medidas adotadas pelas principais economias, prevalecem visões mais liberais, ou o contrário?
Há alguns elementos que sinalizam a possibilidade de mudanças, mas as resistências são realmente muito rígidas, difíceis de serem suplantadas. Acho que a superação dessas resistências, inevitavelmente, requer manifestações pacíficas da sociedade contrárias a isso. Não adianta o presidente dos Estados Unidos sugerir uma série de medidas mais contenciosas ao sistema financeiro e o Congresso não ratificar essas mudanças, os grupos de interesses ali estão muito bem enraizados.
Nesses últimos 30 anos houve um processo de diluição da participação da sociedade no cenário político. Conjugou-se aos processos de liberalização uma diminuição da importância das organizações da sociedade civil, das entidades de classe, dos sindicatos. Tudo isso acabou levando à diminuição da participação da sociedade nas decisões relevantes. Observo que algumas sinalizações são importantes e acabam revelando um processo de revigoramento dessa participação.

Rede brasil Atual

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